Sabia-se muito bem que a passagem de Lou Reed pelo Brasil seria ruidosa, bem ruidosa. O cantor norte-americano trouxe ao Sesc Pinheiros neste sábado e domingo, em São Paulo, a turnê do Metal Machine Trio, inspirada em "Metal Machine Music", seu álbum de 1975, considerado por muitos, como se divulgou a exaustão, o pior de todos os tempos. A experiência extrema do disco, ruídos e distorção pura, felizmente só serviu de inspiração – o show, ufa, tem momentos de melodia para afastar o desconforto.
Mas ele está lá, quase o tempo todo. Sentado, Reed fica na guitarra e diante de uma mesa de efeitos, orientando o nova-iorquino Sarth Calhoun, nos computadores, e o alemão Ulrich Krieger, saxofone, com gestos e meneios de cabeça: ele é o maestro. Ao fundo, sons em loop parte hipnóticos, parte enlouquecedores, numa apresentação de uma hora e meia de improvisações. Não foram poucas as pessoas que deixaram o teatro ontem, inclusive pais desavisados (inexplicavelmente) com crianças e um engraçadinho que se filmou dando tchau para o palco, como que desaprovando o som do trio.
Na verdade, não há o que desaprovar. A proposta do espetáculo é, desde o início, um flerte forte de Reed com a música experimental, o noise, que encontra abrigo na arte avant-garde, onde conceitos como "estética do ruído", como diz um folheto do Sesc, são aceitáveis. Entra no jogo quem quer. Só é preciso deixar claro que o Metal Machine Trio, justamente por trazer paz vez ou outra – em especial quando Ulrich para as notas agudas no sax e arrisca uma melodia –, é um representante "amigável" do noise. Há gente muito mais engajada por aí, que faz dos shows um experiência sensorial, auxiliada por protetores auriculares.
Não foi assim com Reed, ainda bem. No final, quando ele estava de pé, com a guitarra nos braços, o silêncio e a cara amarrada durante todo o show deram lugar a um sorriso. "Muito obrigado por terem vindo. Espero que vocês tenham se divertido tanto quanto a gente", disse ele, pouco depois de levar um susto ao ver um fã invadir o palco para pegar uma palheta a seus pés.
Talvez pela recepção da plateia, que aplaudia sem parar, ele voltou sozinho dos bastidores, pegou a guitarra e não só tocou, como cantou. Abrindo uma brecha no rigor das apresentações do Metal Machine Trio, Reed deu de presente aos brasileiros "I'll Be Your Mirror", do álbum "The Velvet Underground & Nico" (1967). Um bálsamo para curar os ouvidos da barulheira, a música nunca soou melhor. Ao terminar, Reed foi apertar a mão de quem se espremia para vê-lo mais de perto. E saiu, a tempo de não ver a turba saquear o palco atrás de uma recordação.
Fonte: Último Segundo / iG
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